28 de março de 2007


Mais uma citação: uma citação que, no entanto, vale por ser assim e, sobretudo, por não poder ser de outra forma.
Miguel Rovisco, dramaturgo, suicidou-se aos 27 anos e pouco de idade. Aconteceu isto num sábado de 1987, como que se o dramaturgo quisesse chamar a atenção para o facto de o Teatro ter já àquela data entrado em coma profundo, sabático, que, como sabemos, o levou, pouco tempo depois, a uma espécie de sono mortal.
A vida não corria bem a Miguel Rovisco. Escrevia fora do tempo, como se o tempo em que escrevia não o quisesse dentro de si. Viu uma data de peças suas rejeitadas pelo Teatro Nacional D. Maria II, que entendia (alguém entendia) estarem as suas obras fora de um certo contexto pseudo modernista muito próprio do final da década de 80. A gente aqui tende a ver os nossos melhores autores como se pertencessem à antiguidade clássica, como se a antiguidade clássica fosse uma coisa má e os tais autores não fossem, afinal, do século passado ou do outro, o anterior.
Miguel Rovisco disse uma coisa que, muito provavelmente, resume de forma genial e absoluta aquilo que é hoje, por exemplo, a atitude perante o movimento associativo para as pessoas com deficiência. As coisas fazem-se – algumas pessoas fazem as coisas -, mas fazem-se na medida em que sabemos todos que o que for feito, seja o que for, será sempre, como se costuma dizer, a fundo perdido. Para mim, enquanto puder e souber, farei sempre as coisas a fundo perdido, sabendo que o fundo perdido é, afinal, um fundo ganho em mim. Se não há Teatro nem movimento associativo nem pessoas com deficiências visíveis nas ruas, é talvez porque a comunicação social insista em enfiar-nos contas de matemática pelos olhos em vez de nos fornecer notícias. Como se trocassem a alma pelo défice, ou a vendessem ao diabo.


A frase, plena, é esta:


O negócio da alma é um negócio que levará sempre à falência, mas é um negócio
para a vida.


imagem supra:
auto retrato de Miguel Rovisco (pancadademoliere.blogspot.com)