24 de abril de 2008

26 de Abril


34 anos depois, Helena continua presa na sua torre de marfim. É num dos lugares mais conhecidos da velha Lisboa, a cidade das hortas, das luzes amarelas incandescentes a girar no brilho da noite, do trânsito e das pombas pousadas nos beirais. Da rotunda do Marquês, uma espécie de metáfora do mundo: e se alguém morresse às voltas na rotunda, à procura do Marquês, de si, de um caminho?

Como escondida no cavalo de Tróia, Helena em Lisboa, numa casa velha, de fachada rosada, presa em si própria por não poder descer à rua. Por não poder descer a rua. A explicação, surrealista, dá conta das vontades de um senhor feudal – o seu senhorio – que entende que a colocação de um elevador no exterior do prédio que a faça descer do seu pedestal de rodas prejudica a imagem do prédio: a imagem, o prédio, um lugar que se quer parado no tempo para poder parecer bem a quem passa. Não se pára o trânsito, que assim não pára, ou pára mal.

Lá em baixo, o olhar de Helena – o olhar lindo lá da banda - está na chuva que desce a calçada e se esgueira pela berma do passeio, a dar com a Ajuda, o Calvário, a 24 de Julho e o Tejo final.

34 anos depois, Helena está presa dentro de si própria. Outras Helenas, noutras ruas, noutras cidades, encontram olhares umas nas outras, como se pressentissem a Liberdade.

34 anos depois, uma liberdade ainda e só pressentida.


imagem: geckoandlfy.com (adapt.)