31 de dezembro de 2007

Do ponto de vista social e no que respeita às pessoas com deficiência, desejar que 2008 seja melhor que 2007 é desnecessário. Se, de um modo geral e comunitário, o próximo ano não for melhor (seja o que isso possa ser, tendo em conta as diferentes representações de felicidade que existem dentro de nós) que o anterior, tenho a certeza que as taxas de ocorrência de nascimentos de pessoas com deficiência ou malformações congénitas descerá drasticamente - mas pelo pior dos motivos.

Haverá, com toda a certeza, muitos nascimentos pelo caminho, nascimentos em ambulância, nascimentos em casa à boa maneira antiga (naquilo que o termo antiga possa de pior conter), ou nascimentos, digamos assim para não parecer mal, desprogramados. Mas haverá, com toda a certeza, muito melhor qualidade no atendimento das pessoas que estoicamente conseguirem, depois de um parto ou de um enfarte do miocárdio, chegar ao Eldorado, que é como quem diz aportar a um super hospital, longe da terra natal, mas com todas as condições de higiene e segurança e conforto e médicos motivados e enfermeiros diligentes e essas coisas todas realmente importantes para quem lá chegar, digamos, vivo.

O que há a fazer? rezar. Rezar com fervor. Tenho uma malformação congénita do tubo neural - Spina Bifida. É tramado. Muitos daqueles e daquelas que me estarão a ler saberão na pele que o é. Nunca gostei de fazer o papel de herói: é tramado, pá, muito tramado. muito difícil, como é difícil para as famílias, como é difícil para os amigos, como é difícil para quem amamos e nos ama. Mas, contrasenso dos contrasensos, paradoxo dos paradoxos, não gostaria de ter morrido numa ambulância, a caminho de um super hospital, por não me terem fechado a coluna na altura certa. Por me terem fechado as portas do hospital da terra que me veria, então, nascer.

A Senhora Enfermeira Otília, que pôs uma flor à porta de casa de meus pais quando soube que estava grávida, emigrou para França. Tinha que ser, que aquele olhar... Trata de arrumar as seringas e de pôr as coisas no seu devido lugar lá nos hospitais da França.
Mandou-me um postal. Tive que lhe dizer...

É por isso que, cerca de 13 horas antes de 2007 ficar para trás, escrevo isto, sem imagem e sem som, sinais de uma profunda mágoa por viver num pais que não sinto como meu por ser tão progressista, tão vanguardista, tão pós-moderno que já não o consigo apanhar. O país não está para os lentos, o país não sabe, como diria Vergílio Ferreira, que estar sentado é a melhor forma de estar no mundo. O país fugiu de mim, fugiu de nós, está tão à nossa frente que nos deixou irremediavelmente para trás.

A alta nobreza observa-nos das escotilhas do castelo de São Jorge, mas a bruma - D. Sebastião sabia-o bem, indo embora enquanto foi tempo - não os deixa, aos nobres, deixar cair a vista longe daqui, no povo, para além da capital de um reino cada vez mais próximo do reino da Dinamarca. Um reino a precisar de mais 25 reinos.